Uma vida a encadernar livros
Tem 78 anos, mais de 60 dos quais dedicados à arte
de encadernar livros. Florindo Simões é um dos
últimos encadernadores de Leiria e, apesar de
reformado, continua a ir todos os dias para a oficina
onde trabalha com o cunhado. Gosta do ambiente, do
contacto com os clientes, do cheiro dos materiais.
Garante nunca se ter cansado da actividade. “Gosto
muito desta profissão e tenho pena que um dia acabe.
Não há quem queria aprender, é uma pena”, lamenta.
Natural dos Pousos, Florindo Simões começou a
aprender o ofício de encadernador aos 13 anos, na
então tipografia Mendes Barata, na Praça Rodrigues
Lobo. “Lembro-me perfeitamente que o mestre era
um senhor chamado José Moreira Ferreira, que mais
tarde foi para a prisão escola”, diz. Na Mendes Barata
não havia a figura do encarregado, mas Florindo
Simões, então com cerca de 19 anos, foi chamado a
exercer essas funções. “Sabia a arte de encadernar,
mas não sabia dourar. O patrão pôs-me a aprender”,
conta. Assim que soube, passou a encadernador
dourador, com a tarefa de ensinar os mais novos.
A juventude decorreu entre os materiais de
encadernação e as brincadeiras com os irmãos e os
amigos. “Íamos ao cinema e pescávamos no rio, com
cana. Havia muito peixe e o rio era limpinho”.
Também iam à praia da Vieira, de bicicleta. Ainda tem
uma, mas já não anda nela. Praticou basquetebol e
hóquei em patins no Ateneu, mas “caía muitas vezes”
e acabou por desistir.
Foi em tempos sócio do União de Leiria, mas hoje
assume-se como “benfiquista ferrenho”. Admite
mesmo ser “doente da bola”, na medida em que vive
“com intensidade” este desporto. “Gosto que o meu
clube ganhe”, resume.
Com cerca de 24 anos, e já casado, resolveu
estabelecer-se por conta própria. Durante anos, o
Diário da República foi “o suporte” da oficina Florindo
e Costa. Pelas mãos do encadernador passaram
muitos livros preciosos, restaurados com mestria e
paciência. Com o advento do digital “perdeu-se um
bocado do serviço”. Florindo Simões recorda ainda a
pasta feita na sua oficina para entregar a João Paulo II
aquando da primeira visita deste Papa a Fátima, nos
anos 80.
Quando não está na oficina, Florindo Simões está no
quintal, a cultivar a terra. Fica satisfeito quando as
pessoas que passam lhe elogiam “o jardim”. É aqui
que passa o tempo livre, a fazer a sua agricultura, de
que gosta “bastante”. Cultiva para si e para os filhos.
“Quando há abundância dou, em vez de se estragar”.
Florindo Simões gosta de ir à praia, de passear. Ainda
não perdeu a esperança de ir a Angola, visitar um filho
que lá tem. “Há coisa de dois anos”, quando
comemorou as bodas de ouro, foi isso que pediu à
equipa de um programa de televisão que passou pela
Praça Rodrigues Lobo. “Mais tarde apareceu-me lá na
oficina uma menina da equipa com a notícia de que
não me dariam a viagem a Angola, mas um cruzeiro
de quatro dias no Mediterrâneo”. Foi com a mulher.
“Espectacular. Foi a melhor viagem da minha vida”.
Começou a aprender o ofício
de encadernador aos
13 anos, a ganhar
13 escudos por semana
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